Sistema CRISPR-Cas9 funciona como uma tesoura precisa que corta sequências defeituosas de DNA e corrige mutações que causam anemia falciforme ou doença de Huttinton, por exemplo
Desde o início do Projeto Genoma, ainda nos anos 1990, uma das maiores promessas – ou ameaças – era a possibilidade de sermos capazes de programar o DNA humano, como se programam softwares de computadores. Até meados do ano passado, algumas técnicas para isso foram desenvolvidas, mas nenhuma garantia precisão satisfatória. Logo, a programação genômica exata, como o ser humano vinha imaginando há mais de duas décadas, ainda era só uma possibilidade. Mas eis que, dois meses antes de 2016 chegar, a pesquisa das professoras Jennifer Doudna, da Universidade de Berkeley, nos EUA, e de Emmanuelle Charpentier, da Universidade Pierre e Marie Curie, na França, apareceu para ser o divisor de águas e virar esse conceito “de ponta-cabeça”.
Batizada pelas autoras de CRISPR-Cas9, a técnica foi descoberta por acidente, enquanto elas estudavam a forma como as bactérias conseguem aniquilar uma infecção viral. “Quando os vírus infectam uma célula, eles injetam nela o seu DNA. Em uma bactéria, o sistema CRISPR (mecanismo que faz com que as células se lembrem, ao longo do tempo, dos vírus aos quais foram expostas) permite que o vírus seja arrancado da célula e inserido em pequenos fragmentos dentro do cromossomo do DNA da bactéria”, explica Jennifer.
Uma vez que esses fragmentos do vírus são inseridos no cromossomo da bactéria, a célula faz uma pequena cópia do RNA. Essa cópia é uma réplica exata do DNA do vírus. Esse sistema permite que os pequenos fragmentos de RNA replicados se associem à proteína Cas9, que faz parte do sistema CRISPR. A união funciona como uma sentinela na célula, fazendo uma varredura em todo o seu DNA para encontrar locais que correspondam às sequências de RNA do vírus. Quando esses locais são encontrados, a proteína Cas9 elimina o RNA viral. O sistema CRISPR-Cas9, então, funciona como uma tesoura bem precisa, que corta as sequências de DNA que contêm algum defeito.
“É importante ressaltar que esse complexo é programável. Uma vez que acontece uma ruptura nas duas fitas do DNA, nós podemos induzir a reparação e, teoricamente, conseguir coisas impressionantes, como corrigir as mutações que causam a anemia falciforme ou doença de Huttinton”, ressalta a pesquisadora americana.
Em breve. Para a cientista, a aplicação da técnica em seres humanos não levará muito tempo. Ela prevê que, em até dez anos, teremos os primeiros testes clínicos e até tratamentos com o modelo de edição genética desenvolvida por ela. “Eu acredito que as primeiras aplicações da técnica CRISPR-Cas9 vão acontecer no sangue, onde é relativamente mais fácil introduzir essa ferramenta dentro das células, se comparado a tecidos sólidos”, afirma.
No momento, contudo, aplicações clínicas da técnica estão temporariamente suspensas, a pedido da própria pesquisadora, uma vez que ainda há muito a ser entendido sobre o assunto.
Além disso, a comunidade científica ainda precisa definir os limites de aplicação do método, pois as possibilidades são inúmeras. “Precisamos considerar que a tecnologia CRISPR pode ser utilizada para o melhoramento (da espécie humana). Os humanos geneticamente modificados ainda não estão entre nós, mas isso não é mais ficção científica”, garante Jennifer.
Genes editados curam câncer em Londres
Genes editados curam câncer em Londres
Londres, Reino Unido. Uma menina britânica venceu, no início de novembro, a leucemia que sofria graças a um tratamento com células imunes manipuladas geneticamente para combater a doença. Layla Richards seguiu o tratamento no hospital Great Ormond Street (GOSH), de Londres.
“Como era a primeira vez que era realizado, não sabíamos se funcionaria, ou quando funcionaria, então comemoramos muito o sucesso do tratamento”, disse o professor Paul Veys, diretor de transplantes de medula no GOSH e médico de que acompanha Layla.
A menina foi diagnosticada com uma leucemia linfoide aguda, a forma mais frequente da leucemia infantil, quando tinha apenas 14 semanas. Foi tratada com quimioterapia e um transplante de medula, mas o câncer voltava, e os médicos praticamente a desenganaram.
Surgiu, então, a possibilidade de aplicarem nela um novo tratamento experimental que estava sendo desenvolvido pelo hospital, e que consistia em modificar geneticamente leucócitos de um doador saudável para combater essa leucemia resistente. Os médicos explicaram “que não havia garantia de que funcionasse, mas rezamos”, explicou o pai, Ashleigh Richards, 30.
Layla recebeu uma pequena transfusão dessas células geneticamente modificadas conhecidas como UCART19 e, em poucas semanas, começou a melhorar significativamente. Os médicos se mostraram cautelosos, mas admitiram que é um passo promissor.
Fonte: O Tempo
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