Técnica que usa predador natural de larvas é vista com ressalva por especialistas, mas ajudou Itapetim, no sertão de PE, a combater infestação recorde do mosquito.
Piabas são usadas por agentes de combate de endemias para evitar surgimento de novos mosquitos em Itapetim (Foto: BBC BRASIL/Camilla Costa ) |
Há quase quatro anos, a população da cidade de Itapetim, no sertão pernambucano, está sem água nas torneiras. São abundantes as caixas d’água espalhadas pelas ruas e dentro das casas, à espera de receber água para as atividades básicas.
O cenário — clima quente e bastante água parada — é propício para a reprodução do mosquito Aedes aegypti. Em abril desse ano, Itapetim (a cerca de 400 km de Recife) chegou a ter o índice de infestação pelo mosquito (LIRAa) mais alto do Estado de Pernambuco — 13%, ou seja, 13 imóveis com focos em cada 100.
O índice é considerado satisfatório quando é menor do que 1%. Com focos de reprodução do mosquito em mais do que 3,9% dos imóveis, o Ministério da Saúde considera que o município está em risco para dengue.
O corte dos repasses estaduais e federais para o combate ao mosquito, segundo as autoridades locais, fez com que a cidade apelasse para um "exército natural" contra o mosquito que transmite a dengue, a febre chikungunya e o zika vírus — as piabas, peixinhos de água doce que medem entre 4 e 5 centímetros.
"Entramos na internet e vimos um estudo feito no Rio Grande Norte. Um colega nosso que já tinha trabalhado em outra cidade com esse método da piaba disse que lá eles conseguiram controlar os mosquito. Eu o contatei e ele veio nos ajudar a fazer o mesmo", disse à BBC Brasil Edinaldo Hollanda, agente de saúde da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e coordenador de Combate às Endemias no município.
"Começamos a colocar as piabas no mês de abril e fizemos o trabalho até julho. Em setembro, notamos que o índice do nosso município tinha baixado muito, para 1,2%. Agora, estamos em 2,4%, menos do que no mesmo período no ano passado. O pessoal da regional (10ª gerência regional de saúde, que dá apoio a 12 municípios na área) quase não acreditava. Deu tanto resultado que até hoje continuamos colocando peixes nas casas."
Segundo Hollanda, os peixes são colocados em reservatórios fechados e abertos: tonéis, caixas d’água e principalmente cisternas, já que o Aedes aegypti prefere lugares escuros e com água parada para se reproduzir.
"Ele solta seus ovos nas paredes do depósito e quando você volta a colocar água, os ovos eclodem. A piaba se alimenta dos ovos e impede que virem novos mosquitos."
Em busca do peixe
A técnica vinha sendo estudada em universidades de Estados nordestinos e aplicada pontualmente em cidades pequenas desde o início dos anos 2000, com diferentes graus de sucesso. Mesmo assim, não substitui o uso do larvicida (produto químico que mata as larvas do mosquito na água) e é vista com ressalvas pelo Ministério da Saúde, que diz haver risco de diarreia caso os peixes sejam colocados na água para beber.
A técnica vinha sendo estudada em universidades de Estados nordestinos e aplicada pontualmente em cidades pequenas desde o início dos anos 2000, com diferentes graus de sucesso. Mesmo assim, não substitui o uso do larvicida (produto químico que mata as larvas do mosquito na água) e é vista com ressalvas pelo Ministério da Saúde, que diz haver risco de diarreia caso os peixes sejam colocados na água para beber.
"Colocamos apenas uma piaba em cada reservatório de até 200 litros. Em cisternas maiores, de três a cinco mil litros, colocamos cerca de cinco. Monitoramos as casas para saber se havia ocorrências de diarreia e não tivemos nenhum caso", afirma Hollanda.
O cloro na água que chega com os caminhões-pipa fornecidos pelo Estado foi um dos primeiros obstáculos ao projeto, já que matava imediatamente os peixes que já estavam nos reservatórios. Inicialmente, era preciso substitui-los semanalmente.
Agora, a prefeitura pede que os moradores retirem os peixes antes de encher seus reservatórios e esperem até cinco horas para colocá-los novamente. É o tempo em que os níveis de cloro da água caem o suficiente para não prejudicá-los, segundo o coordenador.
Todos os dias, os nove agentes de endemias do município saem da secretaria de saúde com cerca de 20 "kits de piabas", com cinco peixinhos cada, para visitar residências na cidade.
"Em cada casa que chegamos, usamos uma piaba ou duas, a depender do tamanho do reservatório. Então às vezes você usa até dois kits em uma residência. A gente usa em torno de 2 mil a 2.500 piabas por semana", diz Hollanda.
O problema agora é conseguir os peixes para continuar o trabalho, diante de um novo surto de dengue que já começa a se manifestar na região.
"O peixe não é vendido aqui, então começamos a procurá-lo nos açudes que ainda tinham água. Estávamos capturando as piabas em Teixeira, na Paraíba, que fica a 30 km daqui. Mas eles acabaram, porque o açude está secando. Fizemos um criadouro aqui, mas também já acabou o estoque."
"Agora vamos comprar em outra cidade na Paraíba, a cerca de 200 km de Itapetim. Para não interromper o projeto, vamos comprar onde tiver."
Em entrevista à BBC Brasil, o secretário de Saúde de Pernambuco, Iran Costa, disse estar interessado no sucesso de Itapetim com as piabas e que um grupo de estudo está pesquisando a possibilidade de realizar a mesma técnica em outras cidades do Estado.
"Existem estudos que mostram que algumas dessas técnicas são efetivas em locais pontuais, mas não sabemos se funcionam em escala", afirmou.
Insuficiente
Para o biólogo da Unicamp Carlos Fernando Salgueirosa, especialista em dengue e em controle de insetos de importância médica, as técnicas de controle biológico, como a dos peixes, não são eficientes se o objetivo é erradicar o mosquito – que é o objetivo determinado pelo Ministério da Saúde.
Para o biólogo da Unicamp Carlos Fernando Salgueirosa, especialista em dengue e em controle de insetos de importância médica, as técnicas de controle biológico, como a dos peixes, não são eficientes se o objetivo é erradicar o mosquito – que é o objetivo determinado pelo Ministério da Saúde.
"O controle biológico não serve para vetores, para um mosquito que transmite uma doença que causa microcefalia. Você precisa ser mais sério, mais rígido e eliminar as populações em bairros", diz.
"Esse tipo de controle só serve para reduzir a população de um 'inimigo' para um valor aceitável. Mas um índice de infestação baixo de Aedes aegypti ainda mantém a transmissão de doenças. Onde está o sucesso do método?"
Outros predadores naturais do mosquito – como lagartixas, aranhas e libélulas – também costumam ser citados em reportagens e blogs como aliados no combate ao mosquito, mas, segundo Salgueirosa, aumentar a presença deles nas casas não tem nenhum efeito prático.
No caso dos peixes que se alimentam das larvas, estudos mostram que seu efeito é pontual e em grupos muito pequenos, diz o especialista.
"O ser humano é o principal agente de controle biológico. A coisa funciona quando é baseada na comunidade. Não dá para pensar nisso (na técnica dos peixes) nem para uma cidade de cinco mil pessoas", afirma.
"Tampar os reservatórios com tampa rígida ou touca de tela. Esse é o principal enfoque que se pode dar para o combate ao mosquito. Dessa forma, não haverá larvas."
De Itapetim, Edinaldo Hollanda rebate as críticas: "Sabemos que tampar os reservatórios é o ideal, mas sabemos que as pessoas não fazem essa parte".
"Tem casas aqui com 50 baldes de água. Pedimos que as pessoas coloquem plástico ou um pano por cima, mas chegamos lá uma semana depois e está tudo destampado. No ano passado, conseguimos telas da Funasa e as colocamos em todas as caixas d’água na cidade. Mas o pessoal do caminhão-pipa, que vem colocar água, rasgava as telas. O trabalho foi perdido."
"Nós usamos o larvicida, que combate, e fazemos campanhas educativas. Mas usando o peixe, que é uma ferramenta a mais, não vamos combater mais? Não vemos mosquitos nas casas aqui, e éramos cheios de Aedes. Diminuiu muito o número de focos", afirma.
Mobilização
Segundo Jussara Araújo, secretária municipal de Saúde, o projeto não foi divulgado pela cidade no início "porque se tivéssemos um surto de diarreia ou coisa assim, o município poderia ser penalizado".
Segundo Jussara Araújo, secretária municipal de Saúde, o projeto não foi divulgado pela cidade no início "porque se tivéssemos um surto de diarreia ou coisa assim, o município poderia ser penalizado".
As autoridades decidiram apostar as fichas no projeto e afirmam que ele foi o responsável pelo controle do surto, mas não antes que cerca de 500 pessoas fossem atingidas. Dos casos notificados, apenas 175 foram confirmados como dengue. Não houve resultados relativos à zika e à chikungunya.
Desde novembro, a cidade de 13.900 habitantes já têm 11 notificações de microcefalia — má-formação em bebês que pode ser causada por infecções contraídas ainda na barriga da mãe —, que está sendo associada ao zika vírus. E mais podem aparecer.
"Ainda temos muitas mães que não deram à luz, mas tiveram manchas vermelhas na pele (um dos sintomas característicos do zika) quando estavam grávidas", afirma.
Agora, o município se prepara para enfrentar uma nova infestação do Aedes aegypti, que volta a atividade no período de chuvas do início do ano, com o acúmulo de água em calhas, muros e utensílios domésticos, além dos próprios reservatórios dos moradores.
Por causa da crise econômica, a administração decidiu reduzir o salário do prefeito em 30%, o do vice-prefeito em 20% e os dos secretários em 15%.
Parte do dinheiro economizado está sendo usada nas campanhas de mobilização pelo combate ao mosquito, na compra das piabas e na contratação dos agentes de combate às endemias da cidade — de acordo com a portaria de julho do Ministério da Saúde, Itapetim tem direito a apenas três campanhas com recursos do governo federal. Atualmente, o município tem nove campanhas pagas integralmente pela prefeitura e pretende contratar mais nos primeiros meses de 2016.
"Além dos salários dos agentes, tem as despesas com fardamento e material de trabalho. Não estamos recebendo material, ficamos sem o larvicida por três meses e só na semana passada voltamos a receber. Se não fossem os peixes, como é que íamos trabalhar?", diz a secretária de Saúde.
Camilla CostaEnviada especial da BBC Brasil a Itapetim (PE)
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